Uma pequena nota sobre o jogo Baleia Azul. O jogo não é o problema. A questão que precisamos colocar é: por que pessoas querem jogar? Ou, que força as captura ao jogo? Ondas e epidemias suicidas sempre aconteceram. Mas ficaram mais restritas por conta que a propagação era lenta, localizada.
Hoje a rapidez da divulgação dos casos nas redes sociais acelera o processo de divulgação e por consequência, a imitação, ou contágio, palavra que não considero muito apropriada. O suicídio é fascinante e pode elevar aqueles que o cometeram a uma indesejada heroicização.
Tem um sentimento de vazio muito grande nos adolescentes hoje. O vazio da falta de conflitos geracionais. O vazio das relações que são efêmeras e traz angústia, o vazio pela agressividade generalizada (tantos nas redes, quanto nas escolas e nos grupos). Acredito mesmo que as vidas psíquicas estão com menos possibilidades de defesa. Menos recursos defensivos frente à castração, à angústia, ao vazio.
E quando vem uma “Baleia..” que promete um super sentido, suscita a coragem e pede provas, provoca comoção, tudo isso cria um ambiente propício para a CRIAÇÃO DE SUBJETIVIDADE. Esse me parece ser o fator especial nessa história. Diante do vazio, a excitabilidade da proximidade com o risco é um gozo que passa a ser precioso. Ao lamber a morte tão de perto, ganha-se um sentido poderoso para a vida.
Capturado nas redes de um fenômeno (JOGO) envolvente, o Sujeito se vê tomado pelas regras. Cativo do gozo que cada joga propõe, ele se entrega (de corpo e…psiquismo) ao prazer de cada etapa vencida. Aliás, passar de fase, acaba por simular algo que justamente ele não consegue fazer. O que falta hoje são marcos para a passagem de fase. Os jogos, ao simularem essa passagem, conferem ao psiquismo a possibilidade de jogar o jogo da vida mesmo, por isso o jogo fica sério. E pode, e é, perigoso. Menos porque o perigo está no jogo, mais porque encontra subjetividades desejosas de algum espelhamento que não devolva apenas o vazio. Esse Outro a quem se submetem para mostrar as fotos, a quem se submetem a provar que “passaram de fase”, é o Grande Outro insuficiente contemporaneamente não mais sustentado nas ordens do sagrado, do parentesco, da genealogia. Essa submissão lembra um ter a quem obedecer, um ter a quem prestar um ‘sacrifício’. Não nos esqueçamos que o masoquista goza, não só com a dor, mas com a submissão. Estamos falando de perversão? Mas o gozo do Outro não é privilégio da Psicose? Estranho fenômeno esse!
Chama atenção que uma Baleia, representante da Natureza, seja escolhida para representar esse jogo. Elemento simbólico, por certo, mas que traz da natureza a força de uma metáfora vigorosa. O antropólogo Lévi-Strauss afirmou que os animais são escolhidos para representar sistemas não porque são bons para comer, mas porque “são bons para pensar”. Que a Baleia Azul, mais que o nome de um jogo, ajude a pensar o mundo.
Célio Pinheiro é Psicanalista e Antropólogo. Experiência clínica em consultório psicanalítico. Trabalhos com Grupos e equipes profissionais. Atuação nas seguintes áreas temáticas: Psicanálise, Antropologia da saúde, Saúde Coletiva, Saúde Mental, estudos sobre adoecimento psíquico. Trabalhos preventivos e de combate à depressão, melancolia, suicídio e respectivos projetos de prevenção. Ministra cursos de formação em Psicanálise e cursos de extensão em Universidades. Participa de Projetos de Saúde Preventiva e Saúde Mental. Coordenador do projeto Cinema e Psicanálise.